A Doutrina Espírita nos apresenta
respostas lógicas para nossos males e sofrimentos do dia-a-dia. Quantas
vezes nos perguntamos por que tal pessoa é assim ou nasceu dessa forma. E
a razão nos responde, respaldada na Doutrina Espírita, que tal ou qual
situação dolorosa é o resultado dos nossos atos passados.
Deficiências
físicas, síndromes variadas, pênfigo, lúpus, hanseníase, anencefalia,
enfim, toda a sorte de padecimentos físicos e morais que os homens
experimentam em suas vidas, nada mais é do que o resultado do passado,
pela simples razão que Deus não nos faria sofrer por mero capricho.
Bezerra de Menezes
Eu
estava na colônia Nosso Lar e vi uma jovem que estava trabalhando com
crianças que chegavam da Terra e eram portadoras de deficiência física.
Como essa jovem era muito bela, saudável, eu falei:
- Minha filha, por que você escolheu essa ala de enfermaria, onde os deficientes físicos vão se recompondo?
(Porque
o deficiente físico, quando chega ao plano espiritual, quanto mais
tempo demorou na Terra, mais tempo também leva para refazer a sua
integridade física. É um processo lento de recuperação; ele, que
resgatou o seu débito, não sai imediatamente daquela situação na qual o
seu espírito esteve aprisionado. Se você aprisiona uma pessoa num
cubículo, sentada, sem ver a luz do sol, ela demora a recuperar a visão,
sente dores musculares e demora a andar. A mesma coisa no plano
espiritual).
Ela falou:
- Porque eu fui uma deficiente física.
Eu peguei a ficha dessa jovenzinha e achei que era um caso, realmente, para o Núcleo Servos Maria de Nazaré.
Ela
dará o seu testemunho e vocês vão ver como, às vezes, o deficiente
físico sofre, no seu interior, mesmo podendo ver, falar, conviver com as
pessoas, alegremente.
Vamos
ter o testemunho dessa jovem e acho que todos nós vamos aprender um
pouco mais com a dor do nosso semelhante. Seria tão bom se as pessoas
que recebemos fossem só de alegria, não é?
Mas,
se Jesus veio até nós é porque existia muita dor para ser sanada, muito
desespero para se transformar em esperança, se Ele veio até nós e está
conosco há dois mil anos é porque, realmente, nós precisamos da terapia
do Evangelho em nossas almas, da bondade em nossos corações e do
equilíbrio em nossos espíritos.
Elisabete
Há
oito anos estou no plano espiritual, nasci, como todas as meninas,
normal, brincando, correndo, brigando, vivendo intensamente. Mas, aos
cinco anos, comecei a cair com muita facilidade, o que preocupou os meus
pais, que me levaram ao médico. Constataram que eu era portadora de uma
paralisia progressiva.
Os
anos foram se arrastando, eu tinha mais duas irmãs e as via pular,
brincar, correr. Nas festas de aniversário corriam atrás dos balões e eu
sempre esperando que alguém se lembrasse de mim para me dar um balão,
para me dar um pedaço de bolo, para me dar guaraná. Não falava, sempre
que me olhavam eu sorria, mas dentro do meu coração existia um
sofrimento enorme. Eu perguntava:
-
Por que Deus? Por que eu não sou como as outras meninas? Por que eu não
posso também correr e brincar como as minhas irmãs? Me davam bonecas,
elas eram minhas permanentes companheiras, amigos, parentes, eu tinha
minhas bonecas. Com elas eu conversava, porque minha mãezinha tinha seus
afazeres, seus compromissos sociais, tinha que levar criança na escola.
E a minha dificuldade era muito grande. Durante algum tempo eu até
estudei. Era inteligente, mas depois foi ficando mais difícil e eu mesma
preferi, naquele desencanto pela vida, não ir mais à escola. Pedi, em
prantos, à minha mãe e, certamente, o médico lhe disse: "Ela não vai
viver muito". Eu esperava, realmente, que não fosse viver muito. Eu via,
progressivamente, a parilisia ir tomando o meu corpo.
Eu
conversava com as bonecas, lia muito, ouvia música. Aquele era meu
mundo, não sentia nenhuma alegria em sair. Mas, para não constranger a
minha mãe, para não ser dela carcereira, eu aceitava participar de
festas. O meu tormento era visível e a piedade nos olhos das pessoas
mais visível ainda.
Chegou
a puberdade, eu era a caçula, via as minhas irmãs se aprontando para
irem para uma festinha, para o cinema, para irem aos parques. Elas
chegavam contando, alegres, entre elas, porque os assuntos delas não
eram os mesmos assuntos que tinham comigo. Porque elas apenas podiam me
narrar aquilo que elas viviam, porque eu não tinha nada para conversar
com elas, nenhum assunto, a não ser algum programa de televisão, alguma
música. Elas conversavam um pouquinho comigo e começava o diálogo entre
elas, entre as companheiras que chegavam e falavam: "Oi Elisabete!" Era o
máximo que me concediam.
Assim
os anos foram passando. Os namorados, os primeiros namoradinhos das
minhas irmãs e um jovem que foi para comigo muito bondoso. Ele, um dia,
chegou e falou com a minha irmã:
- Sua irmã é muito bonita.
Ninguém
nunca havia me dito que eu era bonita, nem me importava se eu tinha o
rosto bonito ou não. Meu corpo não respondia aos meus impulsos, aos meus
apelos. Olhava para meus pés e não conseguia movê-los. Ele me trouxe
alguns discos, alguns livros. Se tornou, realmente, um irmão. E eu
ficava ansiosa para que minha irmã casasse, realmente, com aquele rapaz,
mas um dia, ele se foi. Desmancharam o namoro, algumas vezes ele me
visitou. Eu fiquei sem o amigo que conversava comigo, que elogiava meu
cabelo, que me levava livros, bombons. E minha vida voltou a ser o que
era, e ela a trocar de namorados e namorados.
Um deles diante de mim, disse, sem nenhuma piedade:
- Essa doença de sua irmã. Ela pode ser transmitida para filhos? Casando-me com você, eu posso ter um filho nessa situação?
Minha irmã respondeu:
- Eu não sei. Não sei te dizer.
Eu
então me recolhi ao quarto daquele dia em diante. Não quis mais ser um
espetáculo que pudesse prejudicar a descendência dos namorados de minhas
irmãs. Sofri atrozmente, nos filmes de televisão, naqueles programs que
dançavam e cantavam, mas nunca deixei que ninguém me visse chorar e
para todos eu sorri...
Até
que, com vinte anos, já com muita dificuldade para engolir, vi o meu
corpo, pouco a pouco, diminuir, como se eu fosse voltar a ser criança.
Passei a preocupar mais os meus familiares e mais preocupada fiquei com
eles. Porque eu me sentia uma carcereira, sentia que todos eles estavam
presos à minha deficiência física. E, aos vinte anos, parti para o plano
espiritual.
Dois médicos que eu não sabia quem eram me socorreram. Um deles me disse:
-
Eu sou Bezerra de Menezes, vou levá-la para recuperar-se. Você receberá
tratamento, voltará a ter suas funções normais, mas melhorar, realmente,
vai depender de você. Você teve um estágio de encarceramento carnal.
Foi necessário isso para que você observasse as pessoas que te cercam,
soubesse ver os sentimentos, olhar aquilo que os olhos das pessoas
falam, soubesse esconder a sua dor e, também, que nós podemos ser um
peso ou uma alegria para aqueles que nos cercam.
Ele
me levou, então, para a Colônia Nosso Lar. Eu recebi terapia em todo o
corpo, via gradativamente as minhas pernas tomando formas, recuperando
os movimentos, minhas mãos, minha respiração, que era ofegante, voltaram
ao normal.
Pouco
a pouco, eu, conversando com aquelas que eram da mesma enfermaria,
consegui sentar na cama e arrastar os pés. Debrucei-me sobre a janela e
vi um belo jardim, belas árvores, chafarizes. E falei bem alto:
- Morta é que a vida voltou para mim!
Estava
me recuperando, pouco a pouco, e daí para a frente já pude ir para o
templo da prece, comecei a ir para os refeitórios. Encaminhei um pedido
para saber quais as possibilidades que eu teria para ajudar, porque eu
me sentia de tal forma incapaz e inerte, que a ânsia de trabalhar, de
usar as mãos e os pés, era força compulsiva dentro de mim, uma
necessidade premente, eu queria usar as minhas mãos, eu queria sentir
meus pés e andar incansavelmente, daqui para ali.
E o Dr. Bezerra de Menezes voltou a procurar-me.
- O que você pretende fazer?
Eu disse para ele:
- Qualquer coisa, contudo que eu trabalhe. Lavar chão, arrumar cama, tratar de doente, lavar o que for, mas usar as minhas mãos.
Ele deu um sorriso, segurou as minhas mãos e disse:
-
Hoje vamos ter uma terapia com três jovens paralíticas. Você está
disposta a ver as consequências que uma vida trouxe para você através da
paralisia redentora?
- Estou!
Ele,
conversando alegremente, segurando a minha mão como um pai amoroso, me
levou a uma sala onde havia uma tela grande, onde se movimentavam
imagens em terceira dimensão. Eram cenários muito belos e nós três, ali
reunidas, depois de nos cumprimentarmos, olhávamos aquelas paisagens
belíssimas e falávamos: "essa paisagem não é brasileira".
E
aí foi sendo projetada a vida de cada uma de nós. Quando chegou a minha
vez, lá estava eu, uma jovem bela, que tinha uma ama para calçar meus
sapatos, apertar os meus espartilhos, pentear os meus cabelos, trazer
meu chá que, às vezes, eu não gostava e lhe atirava na face, sem nenhum
respeito pelo ser subalterno, sem um carinho por aquelas pessoas que
cuidavam do meu bem estar. Entrava nas carruagens e, muitas vezes,
quando ia cavalgar com o chicote na mão para chicotear o cavalo puro
sangue, eu chicoteava o treinador como se ele fosse um animal, não um
ser humano, tal o desprezo que eu sentia por todos que trabalhavam.
Revi,
nas minhas lembranças, a serva da minha mãe e a minha serva. Lá estavam
elas como filhas e como minhas irmãs, num reajuste tão misericordioso,
porque elas me tratavam com tanto carinho, com diferença da juventude, é
certo.
Mas,
os jovens são assim, só depois que amadurecem é que vão entender, dar
valor à família e ficar atentos às dores do semelhante.
Senti uma tristeza muito grande, chorei silenciosamente e falei para o Dr. Bezerra:
-
Olha, eu tive a bênção de ter tantas bonecas, quando tantas meninas não
tiveram uma boneca sequer, quando tantas e tantas meninas olharam as
vitrines com os olhinhos cobiçosos, sem poder embalar nos braços as
bonequinhas expostas à venda. Se for permitido, eu gostaria de trabalhar
com crianças, crianças deficientes que estivessem em recuperação, a
quem eu pudesse dar os primeiros cuidados. Sei que não tenho nada dentro
de mim, agora vejo mais ainda, o quão pouco eu fiz no mundo e essa
ânsia que eu tenho de usar as mãos, se me for permitido eu gostaria de
trabalhar na enfermaria das crianças.
As
crianças, quando desencarnam, chegam ao plano espiritual ainda mantendo
aquela forma durante muito tempo. Às vezes, são pontas de encarnação,
como é chamado aqui em cima, são delitos pequenos que têm que resgatar.
Ou de um câncer em que foi desencadeado o desencarne antes da hora, ou a
necessidade de um período de reajuste.
São
inúmeras as situações que levam a pessoa a ser deficiente física,
diferem muito os quadros, diferem as provas, como diferem as reações das
pessoas.
Demorou
algum tempo e, naquele tempo que demorou, procurei ajudar as
companheiras de enfermaria. Quando as atendentes chegavam eu já tinha
ajudado uma, outra, já tinha conversado.
Eu
sentia uma profunda vergonha da moça rica, bela e insensível que eu
fora. Lembrava daquele meu corpo na Terra, e pensava com alegria: minha
mãe, minhas irmãs, devem estar sentindo o gosto doce da liberdade,
porque, realmente, eu fora um fardo.
Não
quis visitar os meus familiares, não por ser penosa a lembrança dos
dias que lá vivi, porque não foram penosos, mas por ter sido uma
presença penosa para todos eles. Eu queria ganhar um mundo novo, o
resgate tinha cessado naquela encarnação, queria uma vida nova, estar
num lugar novo, com pessoas novas.
Um dia chegou o doce Bezerra de Menezes:
-
Recebemos a permissão do ministro, você vai ter uma entrevista com a
ministra Veneranda e poderá trabalhar na ala das crianças deficientes.
Lá
existem setores, como na Terra, onde só fazem brinquedos, alimentos.
Porque o espírito se alimenta - pode parecer estranho para vocês, mas
não é estranho quando vocês bebem uma água fluidificada - e lá se fazem
caldos mais densos, que têm sabores deliciosos, sucos que são um "néctar
dos deuses".
Eu,
então, fui em cada setor aprendendo, como manipular fluidos da forma
mais primária, que são os alimentos energéticos. Trabalhava a bioenergia
para o alimento daquelas crianças, com as quais eu brincava. Mulheres
que sabem costurar, faziam bonecas, faziam carrinhos e as crianças eram
felizes. E como elas ficavam felizes ao verem como as perninhas
recuperavam os movimentos, que os bracinhos se estendiam para nos
abraçar, corriam e brincavam e eu contava história: "Era uma vez, uma
menina muito bonita, muito rica, que teve que sofrer muito para aprender
que a vida pode ser uma bela história, se nós soubermos viver..."
A
todos vocês o meu agradecimento por terem tido a paciência de me ouvir.
Agradeçam a Deus o que vocês possuem. Jovens, não destruam a saúde de
vocês no vício, nas drogas. Aqueles que chegam ao plano espiritual e que
usaram drogas, ficam paralisados, catatônicos e, certamente, terão uma
reencarnação tão dolorosa como a que eu tive, porque não souberam
valorizar a saúde. Aquilo que tinham, de perfeito, tornaram imperfeito.
Jovens,
vocês que possuem motocicleta e carro, dirijam com prudência. Porque
aqueles que destroçam seu corpo na velocidade e na imprudência ficarão,
no plano espiritual, também lesados durante muito tempo e, certamente,
nascerão com sequelas, porque não souberam valorizar o corpo saudável
que possuíam.
Mães
jovens, percebam o valor santificante do corpo de vocês, respeitem-se,
saibam que a vida é uma bênção e nós devemos muito respeito a esse corpo
que não foi feito por nós, foi feito por Deus.
Cuidem-se,
porque a beleza é uma rosa bela num jardim em que o vento bate em suas
pétalas e as arrastam pela lama. A rosa só é bela enquanto está na
roseira, depois que perece, nem perfume possui, com qualquer flor é
assim. Aproveitem a flor da vida para terem, na sua essência mais
sublime, aquilo que a vida tem de melhor.
E,
se vocês virem alguém arrastando o corpo no cárcere da deficiência
física, não tenham piedade. Ajudem com um sorriso, com uma palavra.
Façam com que se sintam amados e felizes, mas não tenham piedade, estão
resgatando, estão reformulando o seu corpo somático, estão transformando
as suas células lesadas em células saudáveis. Façam com que eles sejam
capazes de sorrirem e sentirem que a vida tem gosto de amor. Esse amor
diferente que é o amor doação, amor caridade. Façam com que as pessoas,
ao chegarem perto de vocês, sintam que valeu a pena viver. E que a
alegria é a tônica da vida.
Que Deus abençoes a todos. Muito e muito obrigada por tudo.
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